segunda-feira, 9 de agosto de 2010

-om, ám/-ão: a cousa não vos era pra tanta lideira!

O Luar de Janeiro já leu avondo sobre este tema e, recentemente, nos foros do Portal Galego da Língua (http://www.pglingua.org/) volveu-se falar no assunto, pois alguém comentou sobre a atualizaçom da Norma AGAL...
Coma sempre, a discussão foi azeda, ríspida e por vezes desrespeitosa. Num foro de pessoas civilizadas, como é o do Portal, ninguém devia "perder as estribeiras", de jeito que a coragem na defesa das ideias não devia virar carragem.
A discussão vem já de velho. Como é sabido, a norma AGAL parte de uma filosofia: as falas galegas (isto dito sem qualquer matiz pejorativo), como as portuguesas, podem ser entendidas como realizações de um mesmo sistema linguístico e, portanto, podem inserir-se numa norma, a galega, que seria assim mais uma variante de uma língua comum. Quer dizer, a norma galega seria, à par da portuguesa e da brasileira, mais uma das que conformam hoje, no mundo, a língua portuguesa (ou galega ou galego-portuguesa), como língua supranacional e pluricêntrica.
Diferentemente dela, a normativa RAG-ILG entende que o galego fai parte dum sistema linguístico (comum ao português e brasileiro), mas é uma língua diferente e, portanto, o padrão galego é autónomo e distinto ao das outras ramas do sistema. Ao menos assim foi entendido tradicionalmente polos defensores desta normativa.
Consequentemente com a sua posição, a AGAL entendeu que a norma galega, substancialmente comum com as outras do seu sistema linguístico, podia ser lida e considerada como a mesma língua por qualquer leitor luso-brasileiro. Ao cabo, o leitor português ou brasileiro estaria a ler um texto na sua própria língua. A norma galega conservaria peculiaridades da língua próprias da Galiza, como fai o português do Brasil, por exemplo, a respeito do de Portugal (pensemos na ausência do artigo com os possessivos, na colocação dos pronomes, etc) Entre as peculiaridades da Norma galega estaria a conservação etimológica das terminações próprias da língua medieval que unanimemente as falas galegas mantêm (-om, -am, -ao/-am, ladrom, pam, irmao/irmám), o digrafo -mh- em palavras como umha, nengumha, as formas verbais peculiares da Galiza (algumas delas presentes também em dialetos portugueses...), plurais em -ns (capitans, ladrons, irmaos/irmáns), etc. Como sabemos, o português de Portugal e do Brasil reduziu aquelas terminações em -ão, conservando os plurais a sua origem etimológica. Assim, o singular harmonizou em -ão (ladrão, pão, irmão) mas o plural conservou a origem (ladrões, pães, irmãos) ainda que a harmonização do singular trouxo, como bem explicava no foro do PGL o professor Dr. Fernando Venâncio, inúmeras confusões, ao ser esquecida a etimologia do singular, de que ainda são testemunhas os dicionários portugueses: verão/verãos, verões; guardião/guardiães, guardiões; vulcão/vulcões, vulcães, vulcãos. Com frequência esta confusão fizo com que as formas não etimológicas se fossem impondo na prática: verões, guardiões, vulcões... No entanto, a norma galega conserva na escrita a memória da origem da palavra, de maneira que o leitor galego sabe que o plural de vulcam é vulcans, de verao é veraos, de guardiam é guardians (ou verãos, guardiães, vulcães como despois chegou a admitir a própria AGAL) O professor Fernando Venâncio alertava, no foro do PGL, para o perigo de o galego vir a cair na mesma confusão que caracterizou o português durante vários séculos como consequência daquela unificação no singular, e propugnava os galegos conservarem na escrita, e não só na oralidade, as terminações que a norma AGAL mantém. E não lhe faltava razão...
Ora, o Luar de Janeiro lembra mui bem, porque já vai tendo os seus anos, como algumas publicações reintegracionistas começárom a afastar-se dessa prescrição da AGAL e começárom a defender o uso do til, primeiro só nos plurais e em casos em que a etimologia o demandava (ladrom, pam, irmão/ladrões, pães, irmãos), despois quijo-se chegar a uma solução intermédia no singular (ladrom, pãm, guardiãm, irmão) e finalmente acabárom por reduzir no singular tudo para -ão, seguindo neste ponto a norma portuguesa e brasileira: ladrão, pão, irmão/ladrões, pães, irmãos. O Luar lembra muito bem, no II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, alá polo ano de 1987, como um grupo de professores organizaram uma espécie de reunião paralela onde proclamavam a sua adesão ao Acordo Ortográfico de 1986, esse que suprimira os acentos e despois deu em nada... Nessa reunião, o Professor Isaac Alonso Estravis apresentou o seu Estudos Filológicos Galego-Portugueses, livro que o Luar leu e releu naqueles anos de tenra juventude...
Argumentavam estes que a unificação ortográfica devia ser total, e que escrever -ão faria com que os falantes luso-brasileiros nos lessem melhor, inseriria o galego dentro da lusofonia de pleno direito, e não impedia que os galegos seguissem pronunciando como sempre: assim, ladrão, pão, irmão, não, na Galiza leriam-se: ladrom, pam, irmao/irmam/irmão, nom, etc.
A partir daí, mais ou menos recorrentemente, houvo sempre um enfrontamento entre os partidários de -om e os partidários de -ão. O número dos -ãoistas foi em aumento, ao ponto que a Comissom Línguística da AGAL acabou por aceitar o til de nasalidade como possibilidade nos plurais e nos casos etimologicamente justificados: ladrom, pam, irmão/ladrões, pães, irmãos. Os partidários do -ão pedírom mais, mas a Comissom já não cedeu (No número 19 da revista Agália está a resposta da Comissom).
Uma solução intermédia foi a ensaiada no dicionário e-estraviz. Nele, mantêm-se os galeguismos -om, -am, -ão, polo, che/te, cousa, fazendo os plurais em -ões, -ães, -ãos e desaparecendo umha que passaria para uma, e propugnava as formas verbais portuguesas: disse, fiz, fez em lugar das peculiares da Galiza dixo, figem/fizem, fijo/fizo...
Podemos sintetizar os argumentos de uma e outra postura, muito brevemente:
-OMistas: fidelidade às falas galegas, a unidade da língua não deve impedir a sua diversidade, e manter esta peculiaridade galega é enriquecedor, evitando confusões nos plurais e o possível esquecimento das formas próprias da oralidade galega, se não se virem reflectidas na escrita. Com efeito, grafar tudo em -ão implica introduzir uma alteração na morfologia e fonética alheia à variedade galega da língua comum, que deve ser respeitada como a brasileira fai com as suas peculiaridades. A norma galega seria assim pedagógica, achegada à realidade do galego atual, e internacional, por ser substancialmente lusófona. Ninguém poderia acusar os reintegracionistas de entreguistas ou mimeticamente adotantes de tudo quanto soe a português...
-ÃOistas: uma cousa é falar, outra escrever. Grafar tudo em -ão não impede que cada pessoa pronuncie como quiger (de facto, não hai uma única pronúncia galega, pois dentro do próprio galego há várias pronúncias possíveis: por exemplo, corações pode realizar-se como coraçons, coraçôs, coraçois, coraçoes, corações...). A escrita nem sempre pode ser fonológica. Antes, quanto mais suprafonológica for, melhor. Por exemplo, pense-se na escrita inglesa, bastante distante da sua dicção, mais do que a portuguesa, e se nada impede aos ingleses escreverem e pronunciarem corretamente, nada impede tampouco aos galegos escreverem da forma comum, ainda que a sua pronúncia se mantenha como tradicionalmente foi conservada. Hai, continuam, variedades do português onde se mantêm pronúncias semelhantes às galegas, mas isso não impede uma grafia comum, etc. O discurso de manter as peculiaridades galegas acaba por ser análogo ao dos isolacionistas e acaba por implicar uma consideração do galego como língua diferente do português... Até, houvo quem chegou a dizer que a norma AGAL era uma variedade mais do Portunhol semelhante ao Portunhol do ILG-RAG (num exagero mais do que evidente ao ver do Luar...) Quanto às acusações de radicalismo antipedagógico que lhes fam os partidários da norma AGAL, eles respondem que não hai nada que impeça os galegos escreverem português, e acusam os seus contrários, até, de complexo de inferioridade, ao considerarem os galegos incapazes de chegarem a dominar a ortografia do português (-Porque não podemos escrever em português? tão burros e pouco inteligentes somos?-chegam a dizer-)
Estes autores aderírom posteriormente o Acordo Ortográfico de 1990, que têm praticado até agora, depois da experiência falida do de 1986, e que já foi vigorado em Portugal.
Antes de continuarmos, o Luar quer recomendar a leitura do artigo de José Henrique Peres Rodrigues, muito esclarecedor, intitulado "A Escrita e a Norma cara ao Século XXI", no número65/66 da Agália, do primeiro semestre de 2001. Explica, muito melhor ca mim, e mais por extenso e polo miúdo, a polémica e os argumentos de uns e de outros.
A controvérsia chegou frequentemente à desqualificação e até ao insulto, encirrando os ânimos numa animadversão que fai ao Luar ficar perplexo..., gerando divisões no seio do reintegracionismo, que em nada o favorecem.
Ora, a cousa dista de ser tão simples, porque dentro de uma e outra tendência hai matizes: pensemos que os hai que escrevem com -ão mas com formas verbais galegas, ou com -om e formas verbais portuguesas. Hai, ainda, quem considerou a necessidade de inserir as falas galegas dentro do padrão português, ao ponto de ser a norma de Lisboa o referente da Galiza. O sonho destes poderia sintetizar-se numa Galiza mais ou menos integrada politicamente em Portugal, e a RTP (televisão portuguesa) a impor a norma lisboeta varrendo triunfalmente -qual novo D. Afonso Enriques dacavalo, de espada à mão e lança em riste- falas transminhotas, como já fizera com tanta variedade linguística que esmoreceu dentro do próprio Portugal... Por isso, talvez devamos falar de um continuum que vai da norma AGAL na sua versão originária (-om, -am, -ao/-ons, -ans, -aos), até os partidários do padrão português (até com formas verbais portuguesas, pelo pela, em lugar de polo, pola, dois coisa em lugar de dous cousa), que os hai e senão vede algumas das obras de autores moços galegos da coleção de poesia de Cadernos do Povo, Nós, O Ensino...
A tendência -omista da norma AGAL foi recentemente atualizada (A famosa Atualizaçom de que aqui já se falou) para se adatar ao Acordo Ortográfico de 1990, que finalmente foi vigorado em Portugal como já ficou dito.
Portanto, por clareza, distinguiremos entre a Norma Galega da AGAL adatada ao Acordo Ortográfico de 1990, e a norma dos (-ãoistas) partidários do mesmo Acordo Ortográfico, os quais, entre as possibilidades que deixa o Acordo, e perante a ausência de uma norma ortofónica própria da Galiza, se acolhem à norma portuguesa do Acordo (Acordo que permite certa flexibilidade dependendo das pronúncias, consagrando, longe da unidade total, como já advertiu o professor Venâncio, a possibilidade de existência de uma norma portuguesa e outra brasileira, acolhendo-se os -ãoistas galegos à portuguesa por razões práticas fundamentalmente) Esta última linha concretizou-se à volta da recentemente criada Academia Galega da Língua Portuguesa.
Chamaremos à primeira norma AGAL atualizada (entendida na versão mais moderna, a que admitiu o til de nasalidade em irmão, ladrões, pães, irmãos) e à segunda Acordo Ortográfico (AO)

Despois do exposto o Luar deve dizer que tem experimentado, ao longo dos anos, na sua escrita, todas as possibilidades da Norma Agal, atualizada ou não, em versão primeira ou modernizada, bem como de AO. E isto com muitas vacilações, num percurso semelhante, julga, ao de muitos galegos. Leu argumentos e contra-argumentos e, passado o tempo, acabou por pensar que havia razões para ambas as linhas de pensamento. Todos tinham a sua parte de razão, se bem que posturas extremas, como pensar que o galego é conjunto de falas vulgares, que convém uniformar recorrendo ao padrão de Lisboa, ou pensar que a norma AGAL não é português, mas uma versão esquisita do galego isolacionista, devem ser rejeitadas.
Como clarificar a questão? São realmente tão diferentes as duas posturas?
Se ambas as posturas rejeitam o galego espanholizado do ILG-RAG, se ambas as posturas pensam que galego e português são ou, ao menos, podem ser entendidas, como variantes da mesma língua, se igualmente observamos que hai, realmente, um continuum entre uma e outra posição, mas que todos defendem a mesma filosofia, fora posturas radicais e acusações sem fundamento, porque tanta visceralidade?
O Luar pensa, na realidade, que uma vez vigorado o Acordo, e sendo já inevitável a sua aplicação, atualizada já a Norma AGAL, consoante ao Acordo, a Norma AGAL atualizada e AO são, realmente, a mesma norma (melhor ou pior construídas, pois já ficou dito aqui como os critérios da Atualizaçom não parecem os mais afortunados e, por outra parte, não parece muito lógico acolher-se ao AO versão Lisboa em lugar de procurar uma versão galega do Acordo dentro do seu espírito, como com fortuna pouca tentou a Comissom Linguística da AGAL) Pondo uma e outra (AGAL e AO) o ênfase em mais ou menos peculiaridades galegas, no fundo são a mesma cousa. O galego é uma variante (com mais ou menos personalidade) dentro da língua comum. Essa é a filosofia que ambas as duas tendências reintegracionistas seguem: galego e português, a mesma língua. Porque, já que logo, tanta genreira?
Mas as peculiaridades e as variantes podem conviver dentro duma mesma norma. Acontece na fala, e pode acontecer na escrita. Na língua castelã, os argentinos têm as suas próprias formas verbais (vos tenés é o mesmo que em Espanha tú tienes; ustedes tienen é o mesmo que em Espanha vosotros tenéis). Na página da Real Academia Espanhola (http://www.rae.es/), se clicarmos na conjugação de um verbo, aparecem as variantes argentinas à par das comuns. Na imprensa argentina, no cinema, achamos estas variantes, mas eles também conhecem as formas comuns e podem utilizá-las chegado o momento, e segundo o contexto.
Nada impede, portanto, os galegos fazerem o próprio. Os galegos aprenderiam a ler e a escrever com os seus -om, -ám, formas verbais, umha, que não só pronunciariam, mas também escreveriam, não perdendo assim a sua riqueza e peculiaridade galega. Depois o ensino mais avançado iria advertindo da existência de outras formas verbais que também são e fôrom galegas, mas que hoje não são correntemente empregues na Galiza, fazendo parte, porém, da versão mais internacional do seu idioma. E aprenderiam que reduzindo, na escrita que já praticam, -om, -am, -ão, para -ão, o seu galego adquere a feição mais internacional possível. Não perderiam a riqueza da sua morfologia, conheceriam perfeitamente qual é a pronúncia e realização, galega e etimológica, de ladrão, pão e irmão, porque assim a aprendêrom na escrita e continuam a empregar em todos os aspetos quotidianos do seu ler e escrever (ladrom, pam, irmão, que lhes seriam tão familiares como ladrão, pão e irmão) Leriam e interpretariam corretamente qualquer texto lusófono, vinhesse de onde vinhesse. Não duvidariam nunca sobre qual o plural de verão, guardião, irmão... Conheceriam as variantes portuguesas e brasileiras e, fora certas peculiaridades a que nunca renunciariam, como formas verbais, polo, pola, cousa, dous, te/che, etc, marcas sempre presentes de galeguidade, adatariam a sua escrita ao contexto, de maneira que usariam mais ou menos peculiaridades próprias da variante galega consoante o ambiente e a natureza do que escrevem (não é igual um texto literário, jornalístico, epistolar, íntimo...que um texto científico)
Cuido que, deste jeito, se poderia superar esta polémica que tantas forças desaproveitou para a luita fundamental que o reintegracionismo tem de conseguir cara ao futuro e como, ao ver do Luar, derradeira esperança do galeguismo: reunir um número de utentes tal que consigam uma mudança no Poder galego, orientada primeiro a um binormativismo em que a norma reintegrada seja tolerada polo Poder, para deixar concorrer livremente isolacionismo e reintegracionismo, em igualdade de condições. De ocorrer esta hipótese, o resultado não devia deitar dúvidas sobre qual será a linha triunfante: para o Luar de Janeiro acabaria por ser o reintegracionismo...
E isto sem dogmatismos nem desqualificações. Sem excluir qualquer cousa vinda do isolacionismo por ela vir de onde vém, aproveitando o aproveitável que sem dúvida é muito, adatando-o ao nosso jeito de entender a língua.
Doutra banda, não se pode perder de vista o percurso ideológico do isolacionismo que, lentamente, se encaminha cara a convergência com o português. De facto, já advertiu o professor Fernando Venâncio como no léxico os avanços no campo isolacionista são cada vez mais patentes adotando terminologia do Além-Minho, e mesmo rejeitando castelanismos hai séculos presentes na norma portuguesa...
Portanto, aos isolacionistas hai que deixá-los fazer, ao seu ritmo, sem dogmatismos e com posturas conciliadoras, tentando atrair para o campo reintegracionista quantos mais deles melhor. E outro tanto acontece com os chamados "reintegracionistas platónicos", alguns dos quais praticam já, até, o chamado binormativismo (Camilo Nogueira, Suso de Toro, Pilar Garcia Negro, Freixeiro Mato...) Hai que os respeitar aceitândomos como nossas as suas obras, em lugar de os criticarmos. Cada quem precisa o seu ritmo e seguir o seu próprio percurso e caminho. E os reintegracionistas têm de atrair e gerar simpatia e curiosidade, e não animadversão ou ódio.
O tempo dirá, pero o Luar de Janeiro vê que isto já é tema para outra entrada neste blogue desvairado... E prefere falar de estratégias noutra ocasião, que polo de hoje já chega.
Grato pola atenção.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Atualizândomos a norma...

Ao fio da vigoração em Portugal do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 a Comissom Linguística da AGAL (Associaçom Galega da Língua) elaborou uma "Atualizaçom" para adatar a sua norma ortográfica ao referido Acordo.
Isto não deixa de ser pertinente, porquanto o Acordo Ortográfico flexibiliza a norma comum permitindo que cada variante do idioma escolha, em determinados pontos, as opções que se ajustarem à sua feição peculiar.
Neste sentido, é importante, por exemplo, a supressão do primeiro elemento de grupos consonânticos como -cc-, -cç-, -ct-, -pt-... que já vinha fazendo a norma brasileira quando o primeiro elemento não era proferido na pronúncia culta, cousa que em Portugal não acontecia pois, quase sempre, mantinham esse primeiro elemento, fosse ele proferido ou não.
O Acordo estabelece, agora, a supressão desse elemento primeiro quando a pronúncia culta de cada norma o ignore. Neste sentido, uma palavra como "correcto", cujo primeiro "c" era mantido na norma portuguesa escrita (não na brasileira que escrevia "correto") ainda que não pronunciado na fala culta, passa agora, por esta última razão, a ser grafado "correto", dado o "c" ser mudo, apesar de abrir a vogal anterior... Assim, na norma portuguesa temos "correto" mas "facto" por, no primeiro caso, o "c" não ser pronunciado e, no segundo, ser proferido.
A norma galega, neste caso a norma AGAL, bate aqui com um problema, como explica a Comissom Linguística da AGAL, pois, como explica na página 15 da "Atualizaçom" "No galego-português da Galiza nom tem cristalizado, até agora, um modelo prosódico culto autónomo a respeito do castelhano, indefiniçom que também afecta a realizaçom fónica das sequências interiores cc (cç), ct, pc (pç) e pt. Nas manifestaçons orais, a articulaçom dessas sequências consonânticas costuma oscilar entre o sistemático emudecimento da primeira consoante, na língua coloquial, e umha tendência para a prolaçom da primeira consoante, conforme o modelo castelhano, na elocuçom formal. Por sua vez, a CL-AGAL nom tem manifestado explicitamente, até agora, qual deve ser aprosódia na língua formal daqueles grupos consonánticos que, de acordo com a sua proposta ortográfica, se conservam nas palavras galegas."
Assim sendo (e tempo lhes era também de terem formulado alguma proposta ortofónica), a norma galega não pode prescindir duma fixação de quais os elementos consonânticos que nesses grupos se conservem e quais não. Noutras palavras, fai falta estabelecer uma norma fixa para sabermos se havemos grafar "correcto" ou "correto", "facto" ou "fato", "adaptar" ou "adatar", etc.
E a Comissom Linguística estabelece estes critérios:
-No caso de a norma portuguesa e brasileira coincidirem em manter ou não esse primeiro elemento por serem iguais as suas pronúncias cultas, o galego seguirá esse modelo: assim, temos "correto", "adatar", "adotar", etc
-Não se admitem soluções duplas.
-No caso de haver dupla solução numa das normas, em Portugal ou no Brasil, adotará-se aquela que for comum às duas: por isso, a norma galega escreverá caráter, porque em Portugal hai dupla forma, caráter/carácter, e no Brasil uma só, caráter, o que fará com que a norma galega escolha a comum caráter.
-No caso de existirem duplas soluções em Portugal e no Brasil, escolhe-se a forma simplificada comum também às duas normas: se em Portugal e no Brasil hai infeccioso/infecioso a norma galega escolhe a forma simplificada.
-No caso de discrepância entre as duas normas, a galega será a simplificada: Portugal acepção Brasil aceção, na Galiza será aceçom.
-Hai, ainda, exceções em que a palavra mantém um estado evolutivo diferente, por exemplo, galego teito port. e bras. teto ou em que para evitar certas homonimias, a norma galega separa-se das regras anteriores e age independentemente da portuguesa e da brasileira: facto (port. facto, bras. fato) para se não confundir com "fato", grupo ou vestido, contracto, de contrair, para não surgir confusão com contrato (de contratar), óptico (para não confundir com ótico, confr. port. e bras. ótico)...

Na opinião do Luar de Janeiro, os critérios e soluções adotadas não podem ser mais desafortunados. O escrevente galego não só há de conhecer a ortografia da variante galega, mas terá também de ser experiente na norma culta portuguesa e brasileira para poder decidir se deve grafar de uma ou de outra maneira. Terá de, mesmo, conhecer bem as possíveis duplas soluções que numa ou noutra existem para valorizar se coincidem ou não e, ainda, terá de conhecer as exceções peculiares galegas que referimos em último lugar... Complicado e pouco prático, para além de pouco ou nada pedagógico...
A própria Comissom reconhece que em casos de discordância absoluta entre as duas normas, brasileira e portuguesa, bem como naqueles casos em que nas duas normas há duplicidade de soluções, a normativa galega adotará a correspondente forma simplificada, seguindo (o itálico é meu) a tendência geral inovadora registada na língua comum. Na língua comum e em todas as falas galegas sem exceção, e, ainda, na fala das pessoas cultas galegas mesmo quando falam castelão (repare-se nisto, por favor, mesmo quando falam castelão)
Então, temos por uma parte que não existe uma norma ortofónica galega que resolva a questão, mas temos claros indícios de que, numa situação normal da língua galega, a pronúncia culta galega seria a supressão do primeiro elemento dos grupos cultos, com algumas exceções em palavras muito cultas ou recentes.
Exemplos temos avondo. Todas as pessoas cultas galegas que conheço, mesmo falando castelão, suprimem o primeiro elemento dos grupos cultos: correto, conceto, aceción, produto... É só ouvirmos o Ministro de Fomento do Governo de Espanha, galego ele, de Lugo, e tirar as consequências pertinentes. Ouvirmos Pepinho Blanco a falar espanhol é toda uma lição de prosódia neste ponto: suprime sistematicamente.
Portanto, era melhor dizer: a norma galega suprime o primeiro elemento dos grupos cultos, não sendo as exceções tal e qual (aqui entrariam facto e as demais que a Comissom entender)
O Luar de Janeiro cuida que, dada a flexibilidade do Acordo neste ponto, a norma galega pode e deve, partindo das soluções internas, quer dizer, desde e para o galego, fixar uns critérios claros e práticos que reflictam a realidade galega da língua comum. Não parece sério tentar fixar uma norma culta galega partindo doutras normas do sistema que o utente teria de conhecer em profundidade.
Hai, ainda, um outro ponto que o Luar não quere deixar passar, por discrepar com o critério da Comissom:
A Atualizaçom tem um apêndice, uma "Correçom de lapsos e lacunas detetados no Estudo Crítico e no Prontuário Ortográfico" Modifica algumas cousas, suprimindo algumas conjunções, advérbios e locuções:
-Suprime polo de agora, polo de hoje, assim e todo: não se entende, não são castelanismos, são formas galegas que nada restam nem engadem à língua. Polo feito de não existirem nas normas portuguesa ou brasileiras não quer dizer que não possam existir na galega.
-Suprime pero: não é necessariamente um castelanismo, pois existia na língua medieval, só que em Portugal desapareceu. Talvez o espanhol possa ter contribuido para a vitalidade que hoje tem na fala galega, mas daí a suprimi-lo por castelanismo... parece-me demais.
-Suprime ao melhor: quiçais polo seu paralelismo com o espanhol a lo mejor, mas é locução que aparece no dicionário e-estravis, polo qual não parece ser tão evidente o seu feitio espanholizante.
Enquanto o caráter castelanizante de uma forma não fosse claro e evidente, não se devia suprimir só pola circunstância de não se achar na norma portuguesa ou brasileira.
A variante galega pode e deve manter as suas peculiaridades, e uma diversidade dentro da unidade da língua é cousa sã e enriquecedora.