segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Atualizândomos a norma...

Ao fio da vigoração em Portugal do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 a Comissom Linguística da AGAL (Associaçom Galega da Língua) elaborou uma "Atualizaçom" para adatar a sua norma ortográfica ao referido Acordo.
Isto não deixa de ser pertinente, porquanto o Acordo Ortográfico flexibiliza a norma comum permitindo que cada variante do idioma escolha, em determinados pontos, as opções que se ajustarem à sua feição peculiar.
Neste sentido, é importante, por exemplo, a supressão do primeiro elemento de grupos consonânticos como -cc-, -cç-, -ct-, -pt-... que já vinha fazendo a norma brasileira quando o primeiro elemento não era proferido na pronúncia culta, cousa que em Portugal não acontecia pois, quase sempre, mantinham esse primeiro elemento, fosse ele proferido ou não.
O Acordo estabelece, agora, a supressão desse elemento primeiro quando a pronúncia culta de cada norma o ignore. Neste sentido, uma palavra como "correcto", cujo primeiro "c" era mantido na norma portuguesa escrita (não na brasileira que escrevia "correto") ainda que não pronunciado na fala culta, passa agora, por esta última razão, a ser grafado "correto", dado o "c" ser mudo, apesar de abrir a vogal anterior... Assim, na norma portuguesa temos "correto" mas "facto" por, no primeiro caso, o "c" não ser pronunciado e, no segundo, ser proferido.
A norma galega, neste caso a norma AGAL, bate aqui com um problema, como explica a Comissom Linguística da AGAL, pois, como explica na página 15 da "Atualizaçom" "No galego-português da Galiza nom tem cristalizado, até agora, um modelo prosódico culto autónomo a respeito do castelhano, indefiniçom que também afecta a realizaçom fónica das sequências interiores cc (cç), ct, pc (pç) e pt. Nas manifestaçons orais, a articulaçom dessas sequências consonânticas costuma oscilar entre o sistemático emudecimento da primeira consoante, na língua coloquial, e umha tendência para a prolaçom da primeira consoante, conforme o modelo castelhano, na elocuçom formal. Por sua vez, a CL-AGAL nom tem manifestado explicitamente, até agora, qual deve ser aprosódia na língua formal daqueles grupos consonánticos que, de acordo com a sua proposta ortográfica, se conservam nas palavras galegas."
Assim sendo (e tempo lhes era também de terem formulado alguma proposta ortofónica), a norma galega não pode prescindir duma fixação de quais os elementos consonânticos que nesses grupos se conservem e quais não. Noutras palavras, fai falta estabelecer uma norma fixa para sabermos se havemos grafar "correcto" ou "correto", "facto" ou "fato", "adaptar" ou "adatar", etc.
E a Comissom Linguística estabelece estes critérios:
-No caso de a norma portuguesa e brasileira coincidirem em manter ou não esse primeiro elemento por serem iguais as suas pronúncias cultas, o galego seguirá esse modelo: assim, temos "correto", "adatar", "adotar", etc
-Não se admitem soluções duplas.
-No caso de haver dupla solução numa das normas, em Portugal ou no Brasil, adotará-se aquela que for comum às duas: por isso, a norma galega escreverá caráter, porque em Portugal hai dupla forma, caráter/carácter, e no Brasil uma só, caráter, o que fará com que a norma galega escolha a comum caráter.
-No caso de existirem duplas soluções em Portugal e no Brasil, escolhe-se a forma simplificada comum também às duas normas: se em Portugal e no Brasil hai infeccioso/infecioso a norma galega escolhe a forma simplificada.
-No caso de discrepância entre as duas normas, a galega será a simplificada: Portugal acepção Brasil aceção, na Galiza será aceçom.
-Hai, ainda, exceções em que a palavra mantém um estado evolutivo diferente, por exemplo, galego teito port. e bras. teto ou em que para evitar certas homonimias, a norma galega separa-se das regras anteriores e age independentemente da portuguesa e da brasileira: facto (port. facto, bras. fato) para se não confundir com "fato", grupo ou vestido, contracto, de contrair, para não surgir confusão com contrato (de contratar), óptico (para não confundir com ótico, confr. port. e bras. ótico)...

Na opinião do Luar de Janeiro, os critérios e soluções adotadas não podem ser mais desafortunados. O escrevente galego não só há de conhecer a ortografia da variante galega, mas terá também de ser experiente na norma culta portuguesa e brasileira para poder decidir se deve grafar de uma ou de outra maneira. Terá de, mesmo, conhecer bem as possíveis duplas soluções que numa ou noutra existem para valorizar se coincidem ou não e, ainda, terá de conhecer as exceções peculiares galegas que referimos em último lugar... Complicado e pouco prático, para além de pouco ou nada pedagógico...
A própria Comissom reconhece que em casos de discordância absoluta entre as duas normas, brasileira e portuguesa, bem como naqueles casos em que nas duas normas há duplicidade de soluções, a normativa galega adotará a correspondente forma simplificada, seguindo (o itálico é meu) a tendência geral inovadora registada na língua comum. Na língua comum e em todas as falas galegas sem exceção, e, ainda, na fala das pessoas cultas galegas mesmo quando falam castelão (repare-se nisto, por favor, mesmo quando falam castelão)
Então, temos por uma parte que não existe uma norma ortofónica galega que resolva a questão, mas temos claros indícios de que, numa situação normal da língua galega, a pronúncia culta galega seria a supressão do primeiro elemento dos grupos cultos, com algumas exceções em palavras muito cultas ou recentes.
Exemplos temos avondo. Todas as pessoas cultas galegas que conheço, mesmo falando castelão, suprimem o primeiro elemento dos grupos cultos: correto, conceto, aceción, produto... É só ouvirmos o Ministro de Fomento do Governo de Espanha, galego ele, de Lugo, e tirar as consequências pertinentes. Ouvirmos Pepinho Blanco a falar espanhol é toda uma lição de prosódia neste ponto: suprime sistematicamente.
Portanto, era melhor dizer: a norma galega suprime o primeiro elemento dos grupos cultos, não sendo as exceções tal e qual (aqui entrariam facto e as demais que a Comissom entender)
O Luar de Janeiro cuida que, dada a flexibilidade do Acordo neste ponto, a norma galega pode e deve, partindo das soluções internas, quer dizer, desde e para o galego, fixar uns critérios claros e práticos que reflictam a realidade galega da língua comum. Não parece sério tentar fixar uma norma culta galega partindo doutras normas do sistema que o utente teria de conhecer em profundidade.
Hai, ainda, um outro ponto que o Luar não quere deixar passar, por discrepar com o critério da Comissom:
A Atualizaçom tem um apêndice, uma "Correçom de lapsos e lacunas detetados no Estudo Crítico e no Prontuário Ortográfico" Modifica algumas cousas, suprimindo algumas conjunções, advérbios e locuções:
-Suprime polo de agora, polo de hoje, assim e todo: não se entende, não são castelanismos, são formas galegas que nada restam nem engadem à língua. Polo feito de não existirem nas normas portuguesa ou brasileiras não quer dizer que não possam existir na galega.
-Suprime pero: não é necessariamente um castelanismo, pois existia na língua medieval, só que em Portugal desapareceu. Talvez o espanhol possa ter contribuido para a vitalidade que hoje tem na fala galega, mas daí a suprimi-lo por castelanismo... parece-me demais.
-Suprime ao melhor: quiçais polo seu paralelismo com o espanhol a lo mejor, mas é locução que aparece no dicionário e-estravis, polo qual não parece ser tão evidente o seu feitio espanholizante.
Enquanto o caráter castelanizante de uma forma não fosse claro e evidente, não se devia suprimir só pola circunstância de não se achar na norma portuguesa ou brasileira.
A variante galega pode e deve manter as suas peculiaridades, e uma diversidade dentro da unidade da língua é cousa sã e enriquecedora.

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