quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ele haverá esperança?

Nesta tardinha morna de Outono venhem-me ideias a cachão... A polémica que gerou a minha anterior postagem deixou-me um mau sabor... Um sabor para o pessimismo. Mesmo pensei que não pagava a pena escrever nada, que era inútil, que só servia para liortas e lideiras estéreis, e que não convenceria ninguém... Houvem apagar este blogue, mas...
Pergunto-me: como é que uma ideia como o reintegracionismo, que forneceria à Galiza de uma ferramenta utilíssima no mundo, como é a sua própria língua tornada de vez língua de cultura, não vinga na própria Galiza? Uma ideia tão simples, tão fácil de entender olhando sem prejuiços e com objetividade... E não pega, não.
É verdade que a rede permitiu uma difusão das ideias reintegracionistas sem precedentes, evitando os obstáculos da censura oficial, mas isso é insuficiente.
Recentemente surgiu a Academia Galega da Língua Portuguesa. Qualquer movimento na direção de darmos a conhecer a lusofonia galega no resto do mundo, no resto dessa lusofonia, é bom, é ótimo, eu diria. Os fruitos aí os estão: temos vocabulário galego específico já em corretores ortográficos lusófonos, em vocabulários como o da Porto Editora, temos a edição de dous clássicos galegos, e logo virão mais: Cantares Galegos e Sempre em Galiza, em boas edições, cuidadas, que darão a conhecer essas obras no mundo lusófono. É verdade que, no caso que mais conheço, o de Cantares, houvera uma edição da Caixa de Aforros, creio lembrar, que tenho nas estantes da minha casa. E esta edição, do Higínio Martins, serviu de base para a que a Academia tirou do prelo...atualizada polo próprio Higínio. A edição tenta inserir a obra de Rosalia na Lusofonia e dá-la a conhecer no mundo lusófono, o qual é louvável. Não concordo, porém, com adatar a morfologia verbal galega não castelanizante que a autora usou, substituindo-a por formas verbais portuguesas. Num texto literário isso devia ser respeitado e não substituir nada a não ser a ortografia, léxico e morfologia castelanizantes. E não falo de variantes como falades/falais/falás, as três presentes no galego e que podem ser mudadas na comum -ais (falais), mas de formas como disse, houve, etc, ou pelo em lugar de polo...
Vendo como está a realidade galega, só uma adoção dum padrão galego que conserve certas peculiaridades próprias, não castelanizadoras, poderá fazer com que a nossa ideia ince. O reintegracionismo só triunfará se convencermos muita gente, na Galiza, de que acolhendo-nos a uma norma lusófona não deixamos de ser e falar galego, porque o galego já é português, e falo dum galego não castelanizado, claro... Uma adoção mimética de variantes e morfologia portuguesas desconhecidas aqui não conseguirá triunfar. É só descer à realidade de como a gente pensa e sente na Terra e a ideia que o comum dos galegos tem do reintegracionismo. Portanto, terá de ser construida uma norma galega do português que exclua os castelanismos e conserve algumas das suas peculiaridades (mui poucas, certas formas verbais, polo, cousa, dous... certas marcas de galeguidade imprescindíveis, para que, sem deixar de ser galego, seja também português..., para além da fraseologia galega própria, léxico próprio, etc) E não digo isto porque eu veja um perigo real consistente em acabarmos todos falando à lisboeta (preferiria isso do que falando espanhol), mas porque o perigo está no outro extremo, na castelanização que paira sobre nós e ameaça esnaquiçar por completo os farrapos que ainda restam, para além da maciça deserção das camadas mais novas em favor da língua castelã. Com efeito, falarmos em padrão português a uma sociedade que se auto-odeia a si própria e tende a rejeitar tudo quanto cheirar a galego, tanto ou mais se soa a português e inda por riba português padrão... Por isso mesmo, temos que convencer os galegos de que falândomos galego não espanholizado na fonologia, morfologia, léxico, sintaxe... estamos também a falar português, o nosso português, o português dos galegos, e isso, a meu ver, não se consegue com a adoção mimética do padrão lusitano, nem com a agressividade com que nos foros reintegracionistas adoita ser recebida qualquer discrepância por mínima que ela seja, com essa adopção total de um padrão lusitano.
O lavor da Academia dando a conhecer a realidade galega na lusofonia é louvável (como louváveis são, independentemente das discrepâncias mais ou menos pontuais, essas edições de clássicos que oxalá continuem) Mas eu preocupo-me com que o nosso lavor e a nossa existência pegue aqui dentro, na Galiza. Porque se houvesse muitos escritores galegos e muitos leitores galegos desse português da Galiza, isso acabaria por ser visto, dalô da Lusofonia, essa que tão longe fica, essa que a pesar de tudo, no dizer do Professor Fernando Venâncio, "não nos liga nenhuma" em expressão bem portuguesa. Quando o reintegracionismo inçar na Galiza, ele será reconhecido de vez em Portugal. Portanto, os esforços tenhem de ser feitos, em primeiro lugar aqui, na casa, e quando formos vistos de fora como um país lusófono, então nos terão em conta. E parece que na casa não se gera essa adesão maciça, e isso indica que alguma cousa estamos fazendo mal... Não sei, temo existirem nos reintegracionistas certas atitudes excessivamente agressivas com quem discrepa no mínimo de posicionamentos determinados, o qual só consegue escorrentar pessoas susceptíveis de serem convencidas. Eu próprio dixem na polémica gerada na anterior postagem que teria fugido se as minhas convicções reintegracionistas não fossem firmes e não vinhessem já de velho.
Os portugueses... eles já virão, quando formos visíveis, porque... Ai!, falemos dos portugueses e do que a minha convivência e trato com alguns deles me fizérom julgar:
Vou-vos contar o que me aconteceu hai anos num foro sobre a Lusofonia: eu protestei dizendo que a Galiza também era Lusofonia e critiquei o facto de nela não nos vermos reconhecidos. Um português muito amável respondeu-me que se queríamos ser Lusofonia teríamos que ser nós próprios quem tivéssemos claro que queriamos ser Lusofonia, porque ele sabia que havia muitos galegos que não queriam isso...
Sobre atitudes dos portugueses no problema galego (elas mudarão quando nós, todos ou a maioria, mudarmos e quigermos ser lusófonos de vez), posso dizer alguma cousa, porque tenho bastantes amigos portugueses:
Basicamente hai uma ignorância total na gente comum sobre o galego: assimilam-no ao mirandês. Pensam que o galego é uma espécie de mirandês algo que não lhes atinge perto, algo alheio, uma cousa estranha aí no Norte, na Espanha. Uma cousa que ninguém sabe bem o que é, mas que por aí anda, entre brêtemas e nevoeiros...
Hai os que conhecem o problema e sentem uma certa simpatia, muito genérica, por esse "português arcaico" mas muito "espanholado".
Hai quem acabe por dizer: "espanhóis querendo falar português" (a maioria pensam assim quando escuitam qualquer galego-falante descuidado, entre eles muitos reintegracionistas)
Hai também certo rejeitamento por essa espécie de arremedo nortenho do seu falar, que não é tomado ao sério e lhes lembra palavras e expressões rústicas, de velhos, que já não se usam, próprios de gente antiga, impróprias de pessoas educadas e finas, novas, atuais... Quer dizer, o galego soaria a qualquer cousa parecida com falar regional, inda por riba nortenho, e inda por riba espanholado. E tudo quanto soe a falar regional será rejeitado especialmente polas pessoas novas, rejeitado por ridículo, rústico, pobre, antigo... E isto é assim no Sul ou no Norte dessa república que nos é, que nos deve ser aos galegos, tão querida e entranhável...
Quando lhes amostras textos em galego RAG ficam estranhados, perplexos, ou mesmo exprimem o seu desgosto, mas pensam que é uma guerra que lhes é alheia e em que eles não devem intervir. Tenho um amigo que chamou ao galego oficial "manta de retalhos" e uma amiga que lhe chamou "língua de ninguém". Mas a ideia dominante é que eles não devem intervir.
Várias dessas atitudes podem conviver em vários membros da família. Ainda lembro um meu amigo do Norte, ele e a mulher. Quando veu à minha casa e viu o dicionário de Estravis, ele louvava-o porque aí encontrara tantas palavras da sua zona que hai tanto já não ouvia, e que ele gostava de lembrar porque também eram palavras do português (reivindicava esse falar nortenho como português), mas logo a mulher respondeu: -Oh, sim, serão portuguesas, mas são palavras que tu não usas!!!! (quer dizer, ninguém botava mão delas num contexto minimamente culto)
Isto na gente do comum. Nos inteletuais não sei, o Venâncio sabe melhor. Ora, o Venâncio tem toda a razão em que todo o falar regional esmorece às mãos do padrão da Televisão. Os jovens nem querem falar em qualquer cousa que não seja "lisboetês" e tentam assimilar o seu falar ao falar da TV, dos média, da capital. E isto é assim, ainda, nos do Norte. Este amigo de que vos falei empregava o "r" vibrante forte (em roda, carro), e o filho o "R" da capital, velar. Esse amigo empregava as formas verbais "vós tendes", "vós ganhais", o filho já "vocês têm", "vocês ganham". Qualquer traço de falar regional galeguizante é visto como rústico e bruto, e rejeitado...
Ao fio desse esmorecimento do falar regional em Portugal, lembra-me esse trabalho sobre o português oliventino de que já se falou noutra postagem, que representou uma experiência muito curiosa, por inesperada, para o seu autor. E quero dizer isto aqui porque já se falou sobre a pervivência ou não de dialetos portugueses, e em concreto, em referência ao Prof. Venâncio, sobre o chamado "alentejanês" (alguém pedia ao professor para se exprimir em "alentejanês") Pois aconteceu ao autor desse trabalho, que tentava comparar os falares de Olivença e Campomaior, que descobriu em Olivença um português cheio desses traços todos que os dialetólogos portugueses definiram como próprios do falar centro-meridional (isso era alentejanês, sem dúvida, sim, mas...) A seguir, o autor quijo comparar esse português com o de Campomaior (já em Portugal), julgando que ia encontrar todos os fenómenos linguísticos descritos nos manuais e presentes em Olivença (não se esqueça que Olivença deixa de ser portuguesa em 1805 e, de então para acô, o seu português vive alheio aos média lusitanos e ao seu português padrão e, por contra, em contato com o espanhol) O autor procurou, em Campomaior, velhos até de quase cem anos e... oh! surpresa!: esses velhinhos tinham o sotaque e alguns traços típicos alentejanos, mas em muito menor número do que em Olivença e sempre infinitamente por baixo do esperado... O Padrão da capital tinha até esfarelado os falares dos velhos mais idosos da bisbarra. Portanto, se alguém quiger procurar essa enteléquia do alentejanês que vaia a Olivença e ali encontrará um falar parecido com o que os dialetólogos definírom, mas entremeado de castelanismos às mãos-cheias. E fora disso, que compre os discos do grupo Adiafa As meninas da ribeira do Sado ou Tá o balho armado, onde as cantigas se exprimem nesse dialeto com afã claramente caricaturizador e, até, esperpêntico ou satírico, porque difícil lhe será encontrar outro lugar qualquer onde essa fala se mostre viva... Por outras palavras, difícil será encontrar alguém, nem na mais afastada aldeia, que fale ao jeito dessas cantigas, nessa linguagem, e em todo o caso, as pessoas novas fugirão de assim se exprimirem como almas levadas de todos os demos do inferno.
Conto isto para verdes como em Portugal o peso do padrão dos média e da capital é tal que todo esse complexo de diferentes falares a que os galegos estamos (ou nos tenhem) tão afeitos na Galiza, é, em Portugal, digo, pura enteléquia e lembrança do passado, especialmente nas pessoas novas, lembrança do passado e dos manuais de dialetologia. Tudo ao contrário que na Galiza, onde a cousa dos diferentes falares chegou.ao ponto de dar pé a uma hipercaraterização e sobredimensão da importância da "dialectoloxía" nos estudos universitários do âmbito RAG/ILG, e isto porque a falta dum padrão real galego, efetivo, imposto por um poder efetivo, permitiu a sobrevivência de traços dialetais e a presença, bem mais real, de variantes ou "áreas" (chamemos-lhe assim) linguísticas, por pouco tempo isso sim, perante a pressão uniformadora que o espanhol exerce.
E isto é assim apesar de, nesse trabalho de que falo, não faltarem alguns fenómenos interessantes detetados, traços dialetais, hoje em declive, mas ainda presentes, traços surprendentemente comuns com a Galiza. Mas poucos e em franca decadência.
Voltândomos ao assunto, portanto, creio que os portugueses, a gente comum (como os inteletuais, provavelmente, e diga o Prof. Venâncio, que neste ponto pode deitar mais luz) não nos vêm, ainda, nem de longe...de maneira que somos ainda os grandes ignorados na Lusofonia.
E só nos verão quando nós nos virmos a nós próprios, e nos reconheçamos a nós próprios como lusófonos. Mas temo que nós, reintegracionistas, última esperança do galeguismo, estamos perdendo essa batalha...  a batalha da opinião pública galega (das elites e do povo) que está a ser ganha, não polo galego RAG, mas polo espanhol.
Ora bem: é verdade que hoje ando pessimista.
Ele haverá esperança?

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem falado, Luar de Janeiro, é justamente o que você diz que eu venho dizendo (ou pensando). Temos de ligar o reintegracionismo ao “ghallegho“ pra podermos empregar esse capital humano identitário. O adoptarmos o padrom lisboeta “tal qual“ nom é o caminho. Temos de deixar sinais explícitos que os galegos identifiquem como próprio, tal coma o léxico ou a morfologia verbal a que alude. De ficarem entre o galenhol e o português “puro e duro“, acabaremos por nos afogar num mar de espanholidade ...

gascon

Venâncio disse...

Aqui estão dois galegos - o blogueiro e o comentador - que são a voz do discernimento e do bom-senso.

Diz-se que o bom-senso é "burguês" e que o contra-senso é "revolucionário". Já se viu, neste concreto debate, que os "revolucionários" quebraram as amarras com a sociedade galega, e perderam portanto capacidade de intervenção credível.

Contra o que possa parecer, assevero que estes dois interventores não estão sozinhos (longe disso!) na Galiza. Só terão de achar meios de congregar os que como eles pensam.

Maior divulgação deste blogue será já um bom começo.